sexta-feira, agosto 30, 2013

Efeito canal

O que parece é que você se esforça e muito, mas no fundo sei que é bastante natural: seus meios tão certeiros de, aos poucos, se matar dentro de mim, feito a broca em ação na raíz infeccionada ou morta do dente. 

Não sei se te agradeço ou se te chamo de burro por isso. Como não sei, nada faço. Mas ainda penso. Uma hora a teimosia cansa e esse não fazer será acompanhado de um não pensar. 

Por enquanto, por via das dúvidas: muito obrigada, seu burro!

quinta-feira, agosto 29, 2013

Da vida

Escorada no balcão, ela me olhava como quem queria dizer algo. Mas não dizia. Ao menos não de voz, mas o olhar indicava tantas coisas, um olhar confuso e ansioso. 

- do you wanna some drink? perguntei, na tentativa de quebrar aquela barreira ocular.
- oi, sou da inglaterra mas pode falar português, estou aprendendo. Eu quero muito, mas acho que não devo, estou esperando alguém e quero estar com as mãos livres.
- Um shot de alguma coisa, talvez?
- Seria ótimo, mas quero estar muito sóbria neste momento. É que estou esperando meu ex namorado, ele é da Colombia e faz anos que não nos vemos.
- !!!!!!!! 

Toca a campainha

- É ele? perguntei enquanto seguia pra abrir a porta
- É!!! (olhos cheios de lágrimas)

Ele entrando pela porta e ela correndo em sua direção pelo corredor.

Ontem presenciei um abraço tão forte que chega senti em mim. Me segurei pra não chorar. 
Reencontro está entre as coisas mais bonitas e ricas da vida!


quarta-feira, agosto 28, 2013

Mais sementes, por favor

Semente é uma palavra que gosto que só. Flor é um negócio que me enche de amor. Vasos de plantas, mesmo os (ainda) vazios, me sugerem um monte de ideias. Terra por dentro das unhas nunca me chateou. Ver os carocinhos se transformando em broto, o broto em galho, o galho em planta: me emociona. 

A primeira vez que senti isso foi com o algodão e o feijão. não entendia muito bem aquela logística, mas gostava de ver a evolução, mas logo depois o algodão ficava escuro e o broto morria, não tinha força pra nascer alí. Um pouquinho de mim e de minha esperança morria junto.

 A segunda vez que senti isso foi logo em seguida e de maneira mais grave, quando plantei com meu pai um pé de pitanga na nossa granja em Aldeia, dessa vez o algodão deu espaço para a pá, terra e beijinho (é que eu beijei o chão depois que a semente foi enterrada e batida). Dessa vez a espera foi longa, uma espera de anos. E o resultado mais concreto, como acontece com tudo que a gente cultiva com paciência. Pressa, pra quê? 

Tá fazendo vinte anos que plantei uma árvore e ela continua viva.

Não me deem flores, me deem sementes.





segunda-feira, agosto 26, 2013

Reflexões de facebook

Dia desses um amigo postou em sua página:

quanta dor cabe num coração partido ao meio:

metade da dor ou um inteiro?


Cada pessoa respondeu uma coisa, uns pra mais e outros pra menos. Na hora eu tava muito chateada pra contribuir com minha opinião. Meu coração havia acabado de ser tesourado feito papel crepom em aula de artes escolar, mas passei um bom tempo pensando nisso. E sempre ficava confusa com a metade, com o inteiro, não podia ser só aquilo. Dor de coração partido é diferente. 

Hoje me dei conta de que é mais danada e oleosa que a dor de um inteiro. É espinho inflamado no pé.  É que se sofre por uma banda do peito, pela outra e, sobretudo, pelo espaço vazio entre uma banda e outra.

sexta-feira, agosto 23, 2013

Repara.


E, no fim das contas, entre tantas palavras ditas, reditas e malditas, essas eram as que eu mais queria te dizer. Ou as que eu mais queria que você reparasse.

quarta-feira, agosto 21, 2013

Ariano

Ontem passei a noite todinha ouvindo que ariano é bicho ruim. É malvado. É ruim, é ruim, é ruim mesmo. Vez por outra um amigo (capricorniano) concordando com a ruindade, dizia que era ruim sim, mas um ruim que ele gostava bastante. E aí alguém interrompeu dizendo que se ele gostava, ele era ainda pior. E fiquei sendo o centro do furacão uns instantes por causa do zodíaco. Até que uma das pessoas lança: "não sei o que leva uma pessoa normal a ir atrás de alguém de áries". Diga-se de passagem, alguém que acabou de finalizar um relacionamento com uma ariana.

E é quando, agora, recordando essa pergunta me questiono: o que diabos faz um ariano ir atrás de... OUTRO ariano? Desvia, meu bem. Corre. De ariano basta você. Ou eu.




Rendida

Mãozinhas pra cima, coração em processo (acredito que eterno) de calmaria e a descida da rua Nossa Senhora de Fátima inteira indicando uma rua maior. Riachuelo pra direita, Riachuelo pra esquerda. 'Meu peito batuca no caminho que eu quiser', é o que esta rua famosa  e cheia de bugigangas tenta me mostrar. Pra onde eu quiser, ela fala no meu ouvido. 
E que o caminho seja para o bem.

terça-feira, agosto 20, 2013

Eu e você ou você e eu

                                                                                                                           a maurício

Se alguém chegasse junto pra tentar entender o que acontece, ia se frustrar. Ia sair sem um parecer. Ia achar que somos malucos, que somos bobos, que nos conhecemos há mais de 10 anos pra ter história suficiente pra tanta confusão. Ou que nos conhecemos há um mês no máximo, pra que tanta dúvida quanto ao outro justifique a formação de um cardume deste tamanho. Só que não é uma coisa e nem outra. A gente consegue um auê sendo apenas dois, nós dois. E diga-se de passagem, duas pessoas com pouco mais de um metro e meio de altura querendo ocupar o espaço de um mundo inteiro na vida do outro. Eu acho que é muita ousadia, das duas partes. E, apesar de achar isso, discordo quando você diz que isso acontece por sermos tão iguais. Pra mim, essa é a desculpa perfeita que você enfia no meio pra se eximir de suas falhas e pra perdoar as minhas. É a desculpa que você usa quando os argumentos escapolem. Você é você e eu sou outra conversa. Não somos farinha do mesmo saco. Nossos pensamentos se cruzam mas não andam em paralelo quase nunca. Salvo quando a gente acorda lado a lado. Nesse instante parece que eu sou você. Ou que você se transforma em mim. É tudo tão diferente que fica meio igual. E eu fico besta admirando como é que pode ser possível. A confusão se esvai e sobra todo o entendimento que se é possível entre duas pessoas. Os sorrisos se abrem. Os corpos se confortam. A voz se mostra doce, suave. A vontade de permanecer alí, em você, em mim, é crescente. E depois de tudo, quando eu vou e você fica, volta a ser aquilo que a gente não quer, até o próximo encontro.

 Afinal, quem somos? 

domingo, agosto 18, 2013

Dia de domingo

Quando eu era pequena, domingo era o dia mais triste da semana. Conseguia desbancar até a segunda-feira. É que nas segundas não havia mais o que ser feito pra mudar tanta realidade, já era assunto encerrado, havia aceitado a condição. O domingo era diferente, carregava a culpa ou a saudade do sábado, a saudade de tudo. Domingo chegava e meu corpo era todo saudade. Era a certeza de não poder fazer nada até tarde, o uniforme escolar pendurado no armário e a mochila por fazer em cima da poltrona eram o prólogo indicativo de que o fim da preguiça tava próximo. Um almoço em família. Um filme. Talvez um sorvete ou um livro de matemática a contragosto. Com muita sorte cinema ou boliche. Era difícil encontrar os amigos, eles estariam fazendo a mesma coisa. 



O tempo passou e as coisas mudaram. Domingo saltou do dia mais chato para o preferido. Em dias de chuva, o almoço, filme, talvez sorvete e um livro passaram a ser mais amigos que meus amigos físicos nesse dia. E com todo prazer.
Em dias de sol, domingo virou praticamente sexta-feira. Os companheiros não dão paz. É muita vontade de almoçar junto, de tomar uma cervejinha, de ir à praia, à feira, ao teatro, pedalar, fazer uma trilha, começar a aprender alguma coisa. A surfar, talvez a andar de skate. Vontade de descobrir um cantinho novo nessa cidade tão linda, um boteco mais distante. Ou só a vontade de provar sorvete de tapioca. De ir a uma exposição, de tocar violão ou ficar alí na praça só compartilhando da existência do outro. É muita vontade de se ver. É vida demais que carrega um dia de domingo.

Mas a maior diferença entre meus domingos antigos e atuais é que saudade não tem mais dia certo pra chegar.

sexta-feira, agosto 16, 2013

Uísque


Hoje eu acordei uísque. Acordar uísque vai além de um copo de vidro, gelo e líquido dourado percorrendo o labirinto gelado que aquelas pedras constroem com tanta perfeição. Acordar uísque é mais que o rebolado da mente após a terceira dose. É mais que um possível vexame. É mais que um sorriso vermelho e molhado com gosto de próximo gole. 

Acordar uísque é estado de espírito.

quinta-feira, agosto 15, 2013

O INÍCIO



Me azucrinaram tanto os ouvidos que acabei rendida e fiz uma extensão do blog no Facebook. Por lá, pequenas cápsulas do que tem por aqui. Poemas curtos e o que tiver de menos pessoal (isso existe?) 

Esse foi o texto de abertura da minha página:

Estou nervosa, bem nervosa. Parece que é a primeira vez que escrevo na vida mesmo já tendo o catando vento há sete anos, sem pausas. Mas é que agora é em uma página com nome de página. Isso de 'página' me inibe um pouco. Também tenho a sensação de que o mundo inteiro tá me vendo agora, já olhei de rabo de olho pra porta do quarto, mas não tem ninguém, só a paranoia. É que dá a impressão que dessa vez tem que ficar impecável de tão bonito. Mas eu nunca escrevo pensando em ficar bonito. Eu escrevo porque ou é isso ou eu pulo pela janela. Ou pintarei todas as paredes da casa diariamente. Ou vou chorar cinco piscinas de água salgada por semana. Ou vou beber até esquecer o nome de minha mãe. E do meu pai. Ou vou transar com as pessoas na rua aleatoriamente e em sequência. Vou acabar andando nua, sempre. Ou vou começar a fumar. E eu não quero começar a fumar. 

Então, se não tem jeito, me agarro nas palavras e me salvo um pouco desse negócio doido e doído que é a vida. Cheers!


https://www.facebook.com/catandovento

A seco



Tristeza é um negócio tão triste

que as lágrimas
em demasia
se aglomeram na garganta 
e não conseguem
escorrer

terça-feira, agosto 13, 2013

Presságio

Minhas pálpebras são lábios. Eu sugo enquanto enxergo. Meus cílios, dentes graúdos. Eu mordo enquanto enxergo. A retina é minha língua. Lambendo tudo, tudo que enxerga. Lambo luzes, gostos, formas. Mordo, lambo, chupo, sugo, gozo. E quando meus cílios, dentes, retinas, lábios, pálpebras se fecham, tudo vira sonho. Os olhos se fecham enquanto meu corpo se abre. Se abre todo. Meu corpo se transforma em palanque para as ideias do dia, a noite inteira.

(?)

Uma das coisas mais malucas é a vida ser sua e você não ter domínio sobre o futuro dela.

segunda-feira, agosto 12, 2013

Mesa de bar

Dudu é bonito. Quer dizer, eu acho Dudu bonito. Uma amiga minha também acha. Mas Dudu não é o típico bonitão. Dudu, quando pequeno, era loirinho, cabelo escorridinho e já usava óculos de grau. Bem tampa de garrafa. Dudu era bonitinho, mas era meio esquisitinho. Dudu tem pais maravilhosos, são ótimos os pais dele, parece. Dudu tem umas tatuagens e estatura média. Eu o considero quase alto, mas meus 1m60 não são referência pra isso. Dudu toca em uma banda que eu gosto e temos 14 amigos em comum no facebook, mas só liguei o nome a pessoa nos últimos dias. Antes, Dudu era o menino que eu via por aí e que não tinha nome. Quero dizer: não tinha nome pra mim. E Dudu também era o menino da banda que não tinha rosto, apenas o nome. Quero dizer: não tinha rosto pra mim. Como se fossem duas pessoas diferentes. Agora ele tem nome, rosto e ainda sustentou ser o assunto de praticamente uma noite inteira. E é por isso que sei dessas coisas que escrevi (tirando a parte do bonito, dos óculos, tatuagem, porte médio, amigos em comum e banda). 

Fiquei aqui pensando quantas vezes já devemos ter sido e ainda seremos assunto de mesa de bar dos outros. De amigos ou de quase anônimos. Quantas vezes já devem ter conversado amenidades sobre nós sem que a gente saiba. Já nos desejaram, já falaram mal sem conhecer, já falaram bem sem conhecer. Já falaram. Já imaginaram. Que doideira!

No fim da noite, brindamos mais uma vez: 

"o brinde vai para o quê agora?" 
"ah, vai pro Dudu, já que falamos nele a noite inteira".

Um brinde ao Dudu, então.


domingo, agosto 11, 2013

Memórias inconsoláveis

12 de abril de 1988 e de todos os anos

Não tive escolha. Se pudesse escolher eu teria ido. Você teria ficado. Mas eu era um negocinho tão miúdo e negocinhos miúdos não escolhem, fiquei. Você, com tantos outros 24 anos pela frente, se foi. E me deixou cheia de vazios. Me deixou invisível. Passei a ser o retrato e a significação de um erro, enorme. Pra sua família, que nunca ví. Que nunca me viu. Pra meu pai, que não me enxergou por muitos anos. Hoje tenho um ano a mais que você. Tão estranho. Você, que deveria ter 49 anos e me ensinar tanta coisa dessa vida, continua com 24. E eu aqui, mais velha que a minha mãe e finalmente tomando as rédeas da vida sem culpas e sem tua projeção. Livre de referências. De como serei daqui pra frente. Daqui pra frente eu serei. Apenas serei. E isso é suficiente.

O dia deles




Minha homenagem no dia de hoje vai para a mulher risonha da fotografia. Eu não sei o seu nome e isso me entristece. No retrato, ela amamenta seu filho enquanto me alimenta também. Minha ama de leite. Ao lado da gente é o meu irmão, entendendo pouco o que tava acontecendo. 

Mesmo que eu tenha um pai lindo, vivo e presente, hoje o meu carinho vai para essas outras figuras que dão um pedacinho de sí, mesmo permanecendo no anonimato. Que não possuem dia especial no calendário, não recebem uma gravata, caneta ou uísque por terem feito o papel de outro.

Minha homenagem também vai para as mães que foram e continuam sendo pais. Que criaram por dois. Acordaram à noite sem revezamento. Trabalharam a mais, descansaram de menos. Que parecem mais chatas algumas vezes por terem dado esporro dobrado. Por terem errado dobrado também. Mas que sentem saudade, preocupação e amor elevados à potência.

Pai é mais que o homem responsável por uma trepadinha gostosa resultante do nosso nascimento. É mais que um registro no cartório. Mais que uma mesada curta no fim do mês. Mais que um homem. Mais que um retrato. Mais que um domingo de agosto. Mais, muito mais que três letras.

sábado, agosto 10, 2013

jogar verde

especialidade igoriana. e colam-se em minha boca sorrisos antigos e novos. dilemas antigos e novos.

álcool: especialidade do demônio

discutir relação: não é especialidade minha

minha especialidade: em aberto

na festa cult bacaninha

- léo é mestrando em ciências sociais
- e tu?
- eu? sou desempregando em jornalismo
- <3 
- hehehe

sexta-feira, agosto 09, 2013

Uma das artérias da saudade


Ela me carrega no colo faz tempo, desde o dia em que nasci e sequer sabia da existência dessa ou de qualquer outra palavra, mas sei que senti. E que senti forte. Arrisco que a mais forte de todas, mas não tenho como medir. Depois disso fui percorrendo os caminhos, ora amargos, ora confiantes e pulsantes que esse sentimento traz. Não sei qual é a saudade mais difícil: a eterna por condição, a eterna por opção, aquela que daqui a pouco vai passar ou a que não tem pevisão. Mas andei observando que a saudade, que pulsa no peito quase que diariamente mas que não tem sequer previsão de ser assaltada de tanto beijo e abraço não é fácil. E não é fácil porque simplesmente não é fácil manter a esperança acesa por tempo indeterminado. Porque não é fácil andar na rua já sabendo que o encontro não vai acontecer. Não haver chances ao acaso é um pouco perturbador, é chegar no meio da noite e sentir alguma dor por isso. É brindar à distância, é fazer presente alguém que tá distante. Alguém que provavelmente não vai ficar sabendo disso. Não, não é fácil manter acesa a artéria de um futuro caso pensado, do calculado, do dia tal de não sei quando que uma hora vai chegar. Não é fácil, mas o desafio é justamente esse. Se fosse pra ser fácil a gente seria rico e moraria na praia. Todo mundo junto, com todo o amor do mundo!
     

quinta-feira, agosto 08, 2013

Meu quarto


Meu quarto tem um tamanho legal. Não é enorme, mas tem espaço suficiente para as minhas coisas e ainda sobra um pouco de piso pra transitar. Minha mãe quer colocar uma cama de casal box com baú. Eu não quero. Prefiro cama no chão. Sempre foi assim e a gente sempre passa por esse dilema. “um colchão de casal e pronto, tá ótimo”. Ela reluta. Acha feio, sei que lá. É que além de preferir um troço mais rasteiro, eu acho mais legal gastar 2 mil e tal de uma cama dessas em uma passagem de avião pra longe, mesmo sabendo que esse dinheiro economizado da minha mãe não vá parar magicamente na minha conta bancária. Ela queria mandar fazer um armário quatro portas e ainda com maleiro “pra não ficar capenga”. Eu quero apenas uma arara e uns gaveteiros. Ela se desespera. Diz que é pobre, sei que lá. É que não gosto de ocupar uma parede inteira com armário, no máximo um pequeno. Imagina, virar de lado ao acordar e dar de cara com aquele trambolho enorme e branco? Prefiro olhar a parede com minhas fotografias, pinturas ou somente a parede, me dando a ideia de fazer alguma coisa com ela – mesmo que eu nem faça. Só a existência da possibilidade já me anima. E também que prefiro gastar esses 3 mil reais do armário embutido em equipamento fotográfico, em um curso de edição, em um computador novo, sei lá, sinceramente, eu prefiro torrar esses 3 mil reais em cachaça do que em um armário de parede inteiro e com maleiro, o negócio mais inútil que se tem em uma casa. Quatro portinhas que ficam no dobro da minha altura, como se eu tivesse mais de uma mala pra guardar lá em cima, no “maleiro”. E, mesmo sabendo que esse dinheiro não vá parar magicamente em minha conta, pois agora seria eu uma mulher rica, prefiro que fique na conta de minha mãe. Ela com mais dinheiro. Eu com mais espaço. 

quarta-feira, agosto 07, 2013

Mapeando

(Texto escrito na última sexta-feira, 02)

Primeiro contato

Hoje é meu primeiro dia na casa nova, minha segunda casa no Rio de Janeiro em quase três anos. E, apesar de ter trocado apenas de bairro, sinto como se eu tivesse ido pra outro estado, tamanha é a diferença. Aqui, sinto-me mais em Recife do que no Rio. Me vejo um pouco em Fortaleza também, toda aquela loucura “da cidade grande” parece existir muito distante da minha janela, mesmo ficando a quinze ou vinte minutos a pé. Ainda não calculei.

Após uma manhã cansativa de mudança, caminhão, carga e descarga, finalmente pude parar um pouco e respirar. Respirar esse ar novo. A casa em sí ainda tá toda fora do lugar, entre caixas e móveis tateando e ainda provisórios nesse novo chão, assim como eu. Ainda não fixamos território, levantamos bandeira e proclamamos propriedade, apesar do apartamento ser próprio. Isso é aos poucos. O piso vai conquistando a gente, a gente vai ocupando cada azulejo do piso e quando a gente estiver bem distraído, já nos pertencemos. Uma relação de parceria sólida precisa de tempo pra se firmar. Não temos pressa.

A casa

A casa carrega um sentimento antigo em mim. Não consigo identificar essa relação, nao sei de onde ela veio. Mas já senti isso antes. Esse cheiro, apesar de novo, é antigo. A maneira como meu corpo reage dentro desse espaço é novo, mas é antigo. Meu coração bate no ritmo da minha mãe. Acho que é isso. Meu coração sente parecido como sentia na casa de Aldeia, não a enorme, com piscina e banheira no quarto do casal, mas a do km 9. Quando minha mãe anunciou independência e foi-se embora. Pra ser ainda mais parecida só faltava mesmo aquele conjuntinho de temperos. Não sei o que tinha demais naqueles vidrinhos de vinagre, azeite, pimenta e sal. Mas quando lembro daquela casa, lembro também deles.

Aqui são três quartos. Um deles só pra mim. Antes de me mudar tinha a certeza absoluta que ficaria no “que tem AS janelas”. Antes dessa semana, só havia visto esse apartamento três anos atrás, quando ele tava em reforma e eu nem morava no Rio ainda. E fui tomada por um encantamento enorme pelas janelas do primeiro quarto. Não importa se é o menor cômodo de todos. Eu não preciso de muito espaço. Eu prefiro as janelas de ponta a ponta, curvadas, elegantes, lindas e que ficam batendo com o vento. É que eu adoro janelas batendo com o vento. Tudo bem pra mim em ir lá fechar, ou dar um jeitinho pra mantê-las abertas, desde que antes elas enlouqueçam, batam muito forte e repetidas vezes.

Na última terça-feira, quando peguei as chaves e vim fazer o check out no ap, a antiga moradora ao me ver enamorada pelo primeiro quartinho das janelas, me disse que o problema não era o tamanho (apesar de ter estranhado eu escolher o menor quarto), mas sim o calor que fazia alí, sobretudo no verão. Isso veio como uma onda prestes a me derrubar. Teria eu que abrir mão das janelas curvadas e aceitar uma retangular “ok”? Passei o resto da semana pensado sobre e, no fim das contas, acabei rendida. O verão carioca não é brincadeira e apesar de morar em uma área arborizada, não tem mais a praia pertinho pra entrar aquela brisa gostosa e com cheiro de maresia. Talvez fosse muita teimosia acordar derretendo todos os dias só pra ter uma janela de ponta a ponta e curvada como vista. Tudo bem, faço assim: acordo e ainda de olhos fechados sigo para o quarto ao lado, abro os olhos e tenho a vista em curva me dando um dia bom. Até que eu ache graça nas minhas ventanas com pouco vento. Até que eu suporte a ideia de sair correndo pra fechar as janelas alheias.

Primeiras impressões do bairro

Eu estou e sou cenário de uma novela das 6. Minha varanda tem vista pra uma pracinha redonda preenchida por equipamentos de fazer exercício, crianças, bolas de futebol, árvores e uns gritinhos e buxixos que ainda não têm voz decidida. Um desafinado lindo. Aquela mistura entre 4 e 14 anos, tudo ao mesmo tempo, dando um ar de pátio de escola distante. A pracinha é rodeada por bares, quatro escadarias que levam à Santa Teresa, uma escola e um santuário pra Nossa Senhora de Fátima, santa protetora daqui.

A rua principal que desce até a Riachuelo e leva à Lapa é quase que uma cidade do interior: salões de beleza, botequinhos, lojinhas de artigos inúteis, sorveteria com o cardápio feito em letreiro antigo, talvez faltando um “r” no sabor morango. Casquinho de três tamanhos. Lan house, farmácia, brechó e pessoas que sorriem pra você. Não estranhe se acenarem também. Talvez eu estivesse com muita cara de nova moradora, querendo ser aceita e bem acolhida, sendo assim ou não, as pessoas captaram meus sinais e foram gentis. Almocei em um bar de esquina. Já com bebida me custou R$ 13, achei bom. No fim do dia passei no mercado popular pra comprar um kit sobrevivência até amanhã e fui surpreendida. Uma prateleira só com cervejas importadas e bem mais baratas que nos mercados da Zona Sul. Promoção relampago de um vinho chileno que gosto bastante por R$13 e o melhor, o senhor que anuncia a oferta falando no microfone ''Today friday! Friday night people!!! el mejor viño chileno del mondo por 13 reais, minha gente!!!'” Saí com duas garrafas embaixo do braço.
Na volta, fiz uma cotação dos preços de cerveja nos bares da rua. E as garrafas de 600 ml variam entre R$ 4 (Itaipava) e R$7 (Heineken). A gente senta e pede antartica por R$5,50 a noite inteira. Tá de boas, né?

Terei muito tempo pra mapear essa região. É bacana saber que descendo eu chego na Lapa, subindo eu estou em Santa. Que não moro na confusão dos arcos e nem na contramão do Largo dos Guimarães. Que tô no meio. Que meus pés me levam aos dois sem aperreio. Eu vou sentir falta de morar na praia. Eu gosto demais de praia pra não sentir essa falta. Mas antes disso, tenho muitas ruas pra descobrir, muitas fotografias pra tirar por essas ruas. E já fiquei sabendo que tenho 40 escadarias pra fazer o reconhecimento. Cada uma que te leva para os lugares mais improváveis. Parece que umas são até bocadas, mas a gente faz cara de maloqueiro e anda na moral. Falta só achar o parceiro de fé que entre nessa missão. Léo e Rafa vão se empolgar, mas tenho certeza que a preguiça não vai fazer descobrir mais que 3 em um ano. Mau, que foi quem veio com essa história de 40 escadas, a mesma coisa. Vai chegar na quinta escada no quinto mês e dizer que é tudo igual. Júlia vai dizer que eu sou doida. Acho que Bruno pode comprar essa ideia, ainda mais se eu falar que no fim de cada escada a gente acha um boteco pra tomar uma cerva gelada em comemoração. Imagina, 40 escadarias em 40 semanas. Será? Já tô me empolgando aqui, querendo fazer um livro sobre.

Bom, só sei que mesmo sozinha eu não sossego até destrinchar todos os becos disso aqui. E a praia, que bom, vai continuar exatamente no mesmo lugar. E eu, que sorte do caralho, continuo morando no Rio de Janeiro. Agora, no coração dele. Batendo forte e com amor. Cheers!


terça-feira, agosto 06, 2013

Um túnel colorido, um túnel de papel

“isso é uma doença, é uma doença consciente!” Mesmo que todas as pessoas que elevo à mais alta classe e confiança me falassem isso, eu não acreditava. Eu não queria acreditar. E questionava a eles e a mim que se era uma doença e a pessoa tinha consciência disso, por que não tratava? “a doença mora justamente aí. Na consciência do problema e no egoismo de, no lugar de procurar ajuda pra se curar, preferir espalhar o tumor. Escolher contaminar quem tá perto. Espalhar.” 

A gente espalha amor. A gente espalha a cura. Ter o prazer de semear a doença por onde passa é a própria doença. No início eu não conseguia compreender como uma pessoa bonita, interessante e inteligente podia fazer isso, traçar dessa maneira o caminho da solidão. Só depois compreendi que era possível justamente por essas razões. Um jogo perigoso, uma arapuca danada que envolve quem tá perto. Que envolve e que depois passa, como sempre é. Sempre passa. Os tentáculos são fracos, os argumentos iguais. Mais cedo ou mais tarde as pessoas atravessam esse caminho, aos poucos dissolvem os resquícios e passam a observar a doença, dessa vez de fora. Passam a analisar a não vontade de cura. Passam a ver que vontade não é dizer que tem vontade. Vontade não é dizer. Antes eu sentia tristeza. Doenças são tristes. Agora sinto apenas pena. Acho triste sentir pena, pena é um negócio pior que raiva, pior que rancor, pior que mágoa. Pena é uma indiferença que não se mantém indiferente. Pena é um sentimento aguado. É a vontade que aquilo fosse diferente. Eu queria muito que fosse diferente. Queria muito, muito! Muito mesmo. E lamento até doer meu peito que não seja.

E vejo as pessoas observando isso de fora. Tomando consciência, tendo choques de realidade mesmo que doa. É não precisar mais falar com ar de experiência que eu disse. É ver as pessoas dizendo.

É não querer que as pessoas digam e ao mesmo tempo não ter argumentos pra defender. É ver a vida de alguém que se ama e muito seguindo, agora, por outros trilhos, mais leves, menos enferrujados. Ao lado de novas pessoas e relacionamentos, mais leves. É poder depois de meses estar em uma mesma roda de conversa e até mesmo sentada na mesma mesa em um bar e esse ser um assunto morto. É poder olhar nos olhos e entender que o outro entendeu o recado dado em outrora. É ver o sorriso brotar tranquilo, real, bonito. E é ver a vida de outro alguém que dei todo meu amor ir se perdendo, cada vez mais. É ver que a vida sempre segue e que é triste, pra não dizer burro, escolher perder tudo por tão pouco, por nada e no fim restar apenas recalque e espaços, vazios. É constatar o prazer por relações superficiais e frágeis construídas por baixo de um túnel enorme, imponente, colorido e ao mesmo tempo tão fraco, desmontável, descartável. Um vento forte não suporta. Um vento forte destrói o que não teve base sólida suficiente pra se manter vivo, porque nunca tem. E nunca vai ter.  

tesoura do desejo

a pessoa chega em casa de madrugada, bebinha, feliz e vai dormir. a pessoa acorda no outro dia com uma tesoura e espelho no chão, pedaços de cabelo pela cama e não entende nada. Olha no espelho e entende tudo. o cabelo tá quase na cintura, já a franja...


segunda-feira, agosto 05, 2013

sms da madrugada

- você tá muito braba comigo
- eu não tou braba! se eu tivesse braba eu estaria jogando uma cadeira em você neste momento. Eu estou jogando apenas fonemas...
- linda

lindo. lind. lin. li. l (mensagem apagada)

- e não tente me dobrar não! (mensagem enviada)

domingo, agosto 04, 2013

O teu assunto preferido

a Leonardo Nóbrega



Nos conhecemos no primeiro dia de aula da faculdade de jornalismo e nos intervalos batíamos papo no corredor entre um e outro cigarro seu. Você falava do DCE e do engajamento da sua namoradinha, bem politizada. Ou simplesmente Carol Burgos, mais velha e famosa naqueles corredores, distribuindo panfletos e interrompendo os professores pra dar algum recado. Você ia na onda. O namoro acabou e então nos integramos de maneira quase que orgânica, eu, você, Thales, Vic, Camila, algumas vezes Renan e também as meninas, outras vezes não. Nessa época, 80% da sala queria te comer. 80% incluindo os homens. Os outros 20% eram destinados a quem queria comer Bailinho. E eu tava inclusa. Não demorou muito e eu e você nos reconhecemos amigos. Bem amigos. Não demorou muito e você começou a namorar novamente e sua namorada entrou no grupo. Nos dávamos bem, mas ela tinha medo das minhas amigas que queriam te comer. Ela tinha medo da sua ex politizada que você ainda gostava, ela tinha medo de você, dela. E vivia com cara de choro. E era quase enjoada. E a gente quase que só era amiga dela porque ela era sua namorada. Não demorou muito e nos tornamos amigas. Bem amigas. E eu e você seguimos amigos, amigos como nunca. Nos encontrávamos no Café com Quê às 7 da manhã de um sábado e conversávamos as maiores merdas do mundo até a hora da aula. A barriga chegava a doer de tanta risada. Algumas vezes nem pra aula íamos, porque o assunto tava tão bom e não havia acabado. Nos intervalos a gente conversava mais. No fim da aula a gente não parava de conversar, de rir. Emendávamos com o bar e o assunto continuava, terminava e tinha outro. Assunto era um negócio que não faltava. Falávamos de tudo. Eu e minhas ideias malucas e você dando a maior corda e completando. Minhas amigas continuavam querendo te comer. Eu continuava querendo comer Bailinho, que agora estava solteiro e queria me comer também. Tua namorada continuava com ciúme disso tudo. Teve um dia que, depois da aula, fomos de última hora tomar uma cerveja alí na frente e ela ficou sabendo. Fez um escândalo. Tomou as dores da amiga que era namorada de Bailinho e ficou achando que eu queria te comer também. Esqueceu que éramos amigas. Esqueceu que eu queria comer Bailinho - e não você. Me bombardeou de mensagens agressivas. Te bombardeou de mensagens agressivas. Ficamos eu e você sentados na mesa, entre um gole e outro, esperando a próxima mensagem dela e continuando com nosso assunto que era mais divertido que aquela loucura toda. Não demorou uma semana e ela me pediu perdão, disse que confundiu as histórias, que ficou achando que a gente não quis chamá-la para o bar, que esperamos ela ir embora e tanta coisa que não fazia sentido. Era muito mais simples. E então seguimos na amizade, eu e você. Eu e ela fomos nos estabelecendo aos poucos. Quando vocês acabaram o namoro, eu e ela nos tornamos melhores amigas. Ela percebeu que eu não queria te comer.E continuei seu amigo e amiga dela. E a gente, como sempre, com assuntos termináveis. Ou melhor: assuntos que terminavam e emendavam com outros. Mas dificilmente era o mesmo assunto, a mesma tecla. Um ano depois você mudou de faculdade e acabou mudando de amigos também. Eu continuei na faculdade e fiz outros amigos. Amigos bacanas, um ou outro com sintonia bacana e você lá, distante. Nos afastamos sem pedir permissão ao outro. Você ia pra lá e eu pra cá. Não brigamos. Nunca brigamos. Nunca brigamos na vida (foi lindo você falando isso com todo orgulho ontem à noite, bêbado, na Lapa). A vida que fez caminhos diferentes e a gente soube respeitar isso. O amor era o mesmo, só tava percorrendo novas moradas. Os anos passaram e nos reencontramos em abril de 2012 no Apto 702 da Rodolfo Dantas, em Copacabana. Você havia acabado de se mudar para o Rio e me enviou uma mensagem tão... tão... que se pensa bastante antes de enviar, que entendi que nosso assunto um dia podia terminar, sim. De todo modo te convidei pra meu aniversário e você foi. E quando você chegou e nos abraçamos, continuamos nosso assunto interminável. Eu ganhei um baita presente de aniversário esse ano (você de volta) e a partir de então nossos assuntos só seguiram adiante. Rio de Janeiro, mestrado, trabalhos, cervejas, mais cervejas, mais cervejas, festinhas, novos amigos, o meu namorado que você adorava, a tua namorada. Ah a tua namorada... o segundo presente que o Rio de Janeiro me deu no ano. Coisa linda da vida. Eu via vocês, eu participava vocês, vocês me participavam. Eu ouvia cada um, eu escuto os dois e vocês me veem. Vocês me acolhem. Eu choro com vocês, sempre. E só com vocês. Vá entender. Até que você, Léo, após sete anos descobriu nosso assunto preferido. A principio era nosso. Depois passou a ser seu e apenas seu assunto preferido. Não podíamos nos encontrar nem que fosse pra um café que você voltava ao assunto. Em um bar, na rua, na festa, na casa de vocês, não importa. Não importa quantos assuntos a mais nós falamos antes ou depois, você mete o assunto preferido no meio. Enfia sem piedade e sempre quando observa que o assunto corre o risco de ser esquecido, coisa que pra você seria um terror, você não admitiria, você não se perdoaria. "Eu amo Carlinha. Eu amo ele. Eu quero os dois juntos. Não tem como ser diferente, não pode, não posso imaginar diferente". É o que você fala sem nem saber o que tá falando, todas as vezes, incansavelmente. Na penultima noite que saimos juntos, achei que sairia ilesa do seu assunto preferido. Engano. Bastou eu vacilar e lá estava você querendo arrancar de meus olhos graúdos e atentos ao assunto um brilho lacrimal. Não conseguiu. Você insistiu, usou palavras fortes como "aquele galeguinho" "jeguinho" "bicicleta" e coisas do tipo. Em vão. Não se conformou com tamanha indiferença perante seu assunto preferido e jogou mais pesado. Eu, firme, disse que não adiantava. Que não nos falávamos mais e pronto. Você quase se desesperou, não suportou tanta realidade, sacou o celular do bolso e começou a discar números em busca do telefone do motivo do assunto que tava perigando em deixar de ser o preferido. Saiu perguntando feito maluco qual era o código postal de um país distante, pois iria ligar pra lá e pedir o novo número do assunto preferido do outro país mais distante ainda (??) e eu, quase jogando a firmeza pela janela daquele boteco de Santa Teresa, te falei pra deixar de ser maluco, que a gente nunca iria conseguir esse telefone naquela hora. E então você me perguntou como seria bom nós dois e o assunto preferido àquela hora da noite, juntos. Concordei e emendei uma lágrima na outra. Você, finalmente satisfeito, sorriu pra mim e de mim. Falou "ô, carlinha" e em seguida observou que foi malvado, que foi egoísta. "insisti demais, né?" "né!". Essa podia ter sido nossa primeira briga, em tantos anos. Mas ao contrário disso, saímos desse bar que já tava fechando em busca de um outro, não achamos e decidimos fazer uma corrida pelos trilhos do bondinho. Eu e você, dois loucos correndo pelas ladeiras de Santa de madrugada, ao som dos amigos mandando parar e rindo e mandando parar e rindo. Você ganhou a competição. Eu quase caio de cara e quebro a testa. Meus pés amanheceram doendo, tudo bem, isso é recuperável. Ontem à noite falamos sobre tudo e, apesar de em certo momento perceber que você queria falar sobre seu (ainda) assunto preferido, você foi breve e depois calou.

Não fica triste, teremos muito tempo pra arranjar outro assunto preferido! E, por enquanto, eu deixo esse ser nosso assunto (ainda) preferido, em segredo.

quinta-feira, agosto 01, 2013

É muito mundo!

'Eu gosto muita das suas fotos'

Valeu! Mas é muito, manni. Com "o".
Não, é muita, pois foto vem de fotografia. Fotografia = feminina.

Manni, português é difícil mesmo, mas quando você gosta demais de uma coisa, você sempre vai gostar muito. Com "o", não importa se é feminino ou masculino. Gosto muito de bola, gosto muito de comer, gosto muito de carlinha.

Eita, é difícil mesmo, e você falou verdade nessa última gostar.

Manni é teimoso, como costumam ser as pessoas inteligentes e escreve português como fala e eu escuto daqui, um sotaque berlirecifense. Manni, ao contrário dos alemães que conheci, sabe ser fofo, quando diz, por exemplo, que se não tivesse namorando na época em que nos conhecemos 'eu ia me apaixonar totalmente em você'. Manni também é curioso, mas se mantém na linha da discrição perguntando o que quer saber de uma maneira menos direta. Levando um questionamento a outro e chegando na resposta desejada. Manni tem os dentes da frente separados e usa um óculos laranja que eu nunca entendi.

Manni é alguém que conheço pouco, tem suas peculiaridades, de fácil acesso e, apesar da gente ser diferente em algumas coisas, nos damos muito bem. Gosto bastante dele. Deve ser porque coração bom atrai coração bom. 

Manni é o amigo do amigo de um amigo que eu conheci muito por acaso. Amigo de um amigo que eu também conheci muito por acaso. Manni é o terceiro grau em uma relação feito teia de aranha. Se não fosse meu amigo original, eu não teria conhecido o amigo dele. Se eu não tivesse conhecido o amigo dele, além de ser o maior absurdo e erro do mundo, eu também não teria conhecido Manni. 

E agora me pergunto, quantos amigos de amigos. E amigos de amigos de amigos não têm por aí pra gente ser amigo também? E me pergunto porque a gente conhece um monte de gente há anos que não é tão próximo quanto pessoas que vivemos por uma, duas semanas? E como é que pode a gente viver uma vida inteira e morrer sem ter conhecido aquela pessoa da áfrica do sul que é nosso número? Aquela galera da Croácia que é que nem a gente? Aquele menino da França que teria sido um grande amor? Ou aqui mesmo, do Rio de Janeiro? De repente vizinho de prédio ou na rua ao lado? Por que a gente não vem com um detector luminoso que faz piscar uma cor específica de cada coração, cada espírito e então os grupos se encontrariam? Por que passamos tanto tempo com alguém que não teria sido da nossa cor no radar se esse radar existisse? Por que agora mesmo estou com vontade de abandonar todas as minhas caixas da mudança e computador e jantar pra descer e bater de porta em porta em busca do restante da minha gente? Por que?  Não tem radar, não tem cor, tem tato e tem uma vida enorme pela frente. É preciso estar atento e também distraído. É preciso estar disposto. É preciso ter braços longos para o abraço e o adeus. É preciso arejar a casa e a cabeça. É preciso, sobretudo, perceber que mesmo não tendo o mundo inteiro ao nosso alcance, já conquistamos um mundo nosso, com nossas cores misturadas e pelo nosso próprio radar ou ainda pelas sortes da vida, o que é ainda mais maluco. Pelos acasos brilhantes e incríveis da vida. Agradecer e manter isso já me parece um bom começo pra dominar o restante do mundo. E qualquer mundo que a gente consiga tocar, mesmo que seja o de três ou cinco pessoas, já é o nosso mundo, já valeu à pena!

Berlin, maio de 2013