domingo, novembro 29, 2009

No Centro do Recife

Acordei antes que o sol saisse e queimasse meus olhos quase sem sonhos. Percorri ruas e avenidas cobertas pela neblina de um dia que tava para chegar. Logo as padarias fariam cheiro de pão fresco e meu cheiro não era dos melhores. Já nem sei se meu desejo é comer esse pão ou o galeto que não para de rodar na "televisão de cachorro" (e minha).

Ando pelas ruas e ninguém me vê. Será que sou feio? Acordei mas ninguém me vê. Acordei e o mundo não acordou pra mim...
Já é dia feito, dia claro. Por entre sinais e avenidas meu dia vai correndo, a televisão para cachorro vai rodando, o pão vai saindo e aquela mulher vai chegando. Aquela mulher... Todos os dias ela vem nesse mesmo horário comprar o jornal. Nunca entendi pra que comprar jornal, um bolo de papel sujo que mais parece jogo de repetição: bala perdida no Rio de janeiro, briga entre gangs, polícia matando gente inocente, homicídio em Casa Amarela, gente morrendo de fome no Coque,o náutico perdendo, show de nação zumbi no Marco zero e o horóscopo que é a mesma coisa todos os dias. Mas eu nem digo, ninguém me ouve mesmo. Aliás, ninguém me vê,né?

É hora do almoço e no centro da cidade fica uma danação de gente gritando fora dos restaurantes o prato do dia, o pf que custa 5 reais. Eu nem sei se pra esse povo isso é caro ou barato, não me interessa mesmo.

Na ponte fica gente vendendo peixe nos saquinhos com água. Tem um menino galeguinho que sempre vai comprar, ele gosta de ver a briga das betas brabas. Tem outro que tira a hora do almoço pra ver o sol e acaba comprando um doce ou um pedaço de queijo manteiga.

Na padaria da Imperatriz sempre parece uma festa, meu sonho é comer aquela pizza de queijo que transborda. Já comi queijo uma vez, no natal passado ganhei uma bola de queijo do reino da senhora do jornal. Fui mordendo e mordendo até chegar na parte de ferro, rasguei minha boca e o gosto azedo do queijo misturou com o amargo do sangue. Nunca levei um corte com tanta felicidade no mundo!! Eu gosto de queijo, acho que gosto. Queijo é uma palavra engraçada,né? Queijo, queijo, queijo, queijo. O bom é que eu posso falar coisa besta que ninguém me escuta mesmo, aliás, ninguém me vê, né?

O sol começa a cair e eu gosto de ver a movimentação da turma saindo do trabalho. É tanta gente que fica ali na parada dos correios. É mulher com menino e sacola, é menina pedindo informação, todo mundo querendo chegar em casa pra comer... Queijo? (acho que diferente de feijão, arroz e macarrão eu só tou lembrando de queijo mesmo... assim.. de coisa diferente, né?)

Ai quando o sol vai simbora as luzes do Recife começam a se acender. Essa é a hora do dia que eu mais gosto. Como são bonitas as lâmpadas amarelas. É diferente daquela que eu vejo naquele prédio bem grande que tem do outro lado da ponte. Ah, falando nas pontes, essa é minha maior diversão. Atravessar todas as pontes contando quantos peixes a turma conseguiu pescar. Tem uns meninos que ficam contando quantos carros preto passam, mas eles só sabem contar até dez,coitadinhos... Ai ficam repetindo a sequência dos números e nunca descobrem quem ganhou. Eu prefiro contar quantos patos (nem sei se são patos), aquele bicho branco que voa que nao é pato, ali do outro lado da Aurora fica um bucado, parado, dormindo.

Depois eu me canso. No final do dia minha canela não consegue ser mais fina e minha barriga nem tem graça. Mas eu vou dizer a quem? Ninguém me ouve mesmo, quer dizer... ninguém me vê,né?

O que me resta é dormir

Antes que o sol saia e queime meus olhos quase sem sonhos.

domingo, novembro 15, 2009

Mão na mão












Minhas melhores poesias não foram escritas , não houve tempo:Pensamento desembestado distante das mãosSão aquelas que balbuciei em voz baixa e repentinamente Como em um texto decorado que nunca havia lido antesVersos que declamei para o meu sorrisoE para o sol raso às cinco da manhã na rua de casaRua envolta por flores de cactus e folhagens com minha vozUma satisfação assustadora, medonha e bonitaNão caberia papel e lápis nesse instante Garfanhotos embriagados escapulindo da minha boca áridaPalavras que formulei, expliquei e até encenei para uma platéia vibranteQue se resumia nas mil pulsações do meu peito e na vontade ansiosa de chorarUm choro sem vergonha, um choro bem meu
A parte que eu mais gosto, é de no final do meu showzinho
Poder me olhar
(Eu consigo me olhar sem espelho)E pensar no quanto a poesia tem espaço em mim No quanto ela me cabeàs vezes é tanto e mesmo sem quererQue preciso crescer mais uns dez centímetrosPra ficar compatível e não virar represa, senão ela explode(consigo até sentir , de antemão, o roxo cavando meus olhos)
Uma represa prestes a explodir n'uma maré frouxa de lágrimas...
Mão é carne viva de saudadeTem um coração pulsando bem no centroSem saber se vai, se ficaRepara uma quedaAmarra a fitaAlisa os cachos
Sustenta
E além do maisÉ riscada em MPor linhas de desejoSem tolice ou ensejoA comadre vai descobrir
Mão é o coração do homemQuem acaricia e dá adeus
Repare nas mãos, elas nunca sabem onde pousar
Ampare as mãos, um dia você há de precisar
Apare as mãos para não se entregar
Prepare as mãos quando quiser amar


* Essa é para você, porque eu sei (sim, eu sei) que acima de tantos paradoxos ou da tua sede em sempre ver minha beleza externa três vezes mais radiante por dentro, é ai, ai nesse centro de tudo, no chão de terra e chuva que a gente se encontra e bebe do mesmo copo, com a mesma sede, que nem tu e o menino das tintas. E o amor sempre floresce com o adubo do teu sorriso, dos meus olhinhos curiosos, no meu coro cabeludo cada vez mais fértil, no teu abraço que mais parece um muro coberto por eras, no meu pé fora do chão e da semente em nossa mão. Mão na mão. Te amo.

Gorda.

terça-feira, novembro 10, 2009

'Não tem fotografia que registre!'






Lua alumiando o caminho comprido e gordo

Que a maré seca deixou

Madrugada

Prateando o mar de terra e sal
Corrida, ilhota
Água morna lambendo as 14 canelinhas
Infantis

As águas tão crescendo
Lá vem a correnteza

Certeza


É hora de voltar

(praia do Sossego, 07 de novembro/2009).

terça-feira, novembro 03, 2009

Um ano e meio depois (parte II)

Ontem fui pega de surpresa e mergulhei em um cheiro que parece o dele. Aquele que fica guardado na capa do cd escuro. De amor e luto.
Levei um susto mas logo identifiquei. A embalagem original era comprida e em fragrancia masculina. Essa é feminina e de outra marca. Mas as duas tem o cheiro e líquido azuis. Cheiro de domingo. De tardinha, de passeio, de saudade.
Lembrei que o perfume da noite eu quase não gostava, mas o de domingo... Parece até que esperava a semana inteira só para sentir esse azul nas blusas tingidas de vermelho, verde,azul, rosa, branca...
Tem cheiro de sonho. É azul mais pra céu que pra mar, algodão doce. Lembra barba feita, cabelo molhado, filminho, sorvete, maltado...

(cheiro de banho ou um banho de cheiro).

Tudo isso dentro de um potinho de vidro prestes a acabar.
Ainda bem que pode comprar outro. Imagine se só existisse um frasco de cada e ninguém nunca mais pudesse sentir de novo...



Obs: Dor de corno é uma tristeza e a Maria das minhas estórias sempre carrega um ar melancólico,é verdade. É que tristeza dá panos para as mangas, e, engrandece minha percepção de outras vidas, outros rumos, futuro, passado. De eu inserida em outros, outras, em mim e em qualquer pessoa que simplesmente carregue o leve fardo de existir, de estar sujeito ao tudo e ao nada,e, segundo Vinicius, o amor só é bem grande se for triste.
E seja lá como for, dor ou amor ou dor de amor, ou do amor até doer, eu gosto dele, do amor fundo nas minhas estórias. Eu gosto de cacimba, lá em casa tem logo duas.


Carla Alencar