sábado, dezembro 20, 2008

Lá do alto


Pipa, voa, pipa
Voa, pipa
Pipa voa
Cerol, cordão, cerol, cordão
Sorriso menino
Sorriso na mão
Pipa correndo céu
Correndo céu
Caindo céu
Pintando céu

Menino correndo chão

quarta-feira, dezembro 17, 2008

Poesia no jardim da filosofia



'Pessoas desmancham quando muito.
Quando não se quebram ao meio ou em pedaços.
Pessoas dissolvem aos pouquinhos
Quando dá tudo certo.
Ou então se arrebentam por dentro ou por fora.
Pessoas às vezes explodem em tumores.
Quando não murcham devagarinho.
Pessoas dissolvem no chão'

Viviane Mosé





* Ai vai uma homenagem mais que merecida para a palavra cuspida dos olhos de viviane ,que, hoje, me proporcionou momentos de puro êxtase, fascínio e nostalgia de mim mesma.


quarta-feira, novembro 26, 2008

Vontade de chão




Faz muito tempo que gente grande diz que chão é sujo. Mãe, pai, bábá, avó, professor. Todos eles. Uma criança nunca acha isso, vive de trela pelo chão ou pela palavra chão. Palavra chão é palavra semente, aquela palavra que nem se tornou palavra, apenas idéias soltas saindo de uma boquinha miúda que carrega no short poeiras e vestígios que entregam logo por onde esse pedaço de pano estava descansando: no chão.


Uma criança só passa a achar que essa superfície-base é suja depois que cresce. Tanto a palavra chão, como o chão em si. Eu não. Não sei se não cresci ou se não mudei de opinião, mas o fato é que sinto uma vontade irremediável de chão, palavra ou superfície. Eu falo coisas que nem sei se existe, junção de palavras cuspidas do pensamento direto para voz, sem uma arquitetura, sem a fase da organização e tantas vezes t-r-a-v-o, o coração começa a esmurrar o peito, arregalo os olhos, respiro fundo e tento refazer, quando não dá certo, em alguns casos, eu calo tudo e opto pela palavra-lágrima, que acaba sendo uma foto etnografia para quem vê, sem precisar de explicações.


Quando eu era pequenininha, passeava pelas superfícies da palavra-chão e também pelo chão-superfície. Minha mãe me colocava para dormir lendo alguma historinha dos irmãos Green. Não sei se elas eram emocionantes a ponto de me levar para o chão todas as noites, mas acontece que todas as manhãs eu acordava toda espalhada naquela junção de cerâmicas marrom-clara.


A minha explicação sempre foi que o chão é geladinho e eu sou calorenta. Apesar de dormir em posições esquisitas e às vezes sentar durante o sono, sonâmbula eu não era. Era vontade mesmo, vontade de chão. Por que na sala de televisão eu tava muito acordada e era a mesma coisa: Todos sentados no sofá e eu lá no chão. Minhas brincadeiras sempre foram no chão. Seria impossível pular amarelinha em cima de uma cama. Corda, elástico e bolinha de gude também.


Tem uma coisa que eu nunca disse para ninguém e se eu fosse dizer de voz falada, tenho certeza que ia acabar na palavra-chão fora de conexão: Desde que me entendo por gente eu faço alongamento e dentro do alongamento sempre tem a parte em que você deita o corpo todo no chão e fica com o nariz grudado nele. Eu admito que sempre dou uma cheiradinha, e, o mais engraçado é que pode mudar o ano, mudar de sala e até mesmo de estado (físico e geográfico), que esse chão do “momento alongamento” tem o mesmo cheiro. Um cheiro que lembra tijolo, que lembra terra com chuva, que lembra semente, que lembra gelado, que lembra cansado.

Eu tinha (e tenho) a mania de testar superfícies e texturas. Cimento, azulejo, taco, brita, areia, lama, gramado. Em cada uma o pé sente uma coisa diferente. Tenho preferência por chão gelado. Acho azulejo, mármore ou granito uma beleza!

A vida inteira meus pés foram acostumados com chão-grama lá de Aldeia que às vezes espeta e molha por causa da chuva, mas ano passado eu me mudei para um apartamento e precisava decidir o tipo de piso dos quartos. O cômodo maior de todos era da minha mãe e já estava com um piso de madeira que é chique e caro. Os outros quartos estavam com um carpete velho e empoeirado que coçava os pés e esquentava demais, precisava ser trocado. Na hora eu disse: “-Porcelanato! É bonito e gelado.” O semblante da minha mãe foi de repreensão, como se estivesse revivendo um passado próximo. E decidiu que os “chãos” de todos os quartos seriam que nem o do quarto dela: de madeira, chique, caro e quente. Tentei convencer até onde podia que só o meu quarto ficasse com o piso de porcelanato, mas não teve jeito, segundo ela, ia parecer um circo.

- Mas eu sempre adorei circo...

Desde então, espero ansiosa pelo dia em que eu possa ser dona do meu próprio chão, no sentido literal da palavra.






Etnografia para a cadeira de Antropologia, novembro de 2008.

sexta-feira, novembro 21, 2008

Maria


Maria de todo dia e noite

Maria, minha maria nossa

De olhos abocanhando o mundo

De sorriso olhando de lado



De admiração, de amor, de.




Entre todas, A Maria.




Carla Alencar

quarta-feira, novembro 05, 2008

Gelo baiano


O gelo, de tão baiano, não sai do lugar.
Carla Alencar

terça-feira, setembro 30, 2008

Rapadura

Ontem, eu recebi um pedaço de rapadura vinda de Juazeiro.
Na hora, peguei o presente como se tivesse segurando ele com o pensamento.
Fiquei intacta por alguns minutos, e, aquele tablete doce me trouxe uma lembrança que tava perdida em algum pedaço da minha cabeça: Meu avô.
Vôvô é Amazonense e morou durante muitos anos em Farias Brito, interior do Ceará. O que a rapadura tem com isso? Tudo! Quando vôvô ia de temporada lá pra casa, ele sempre levava umas dez barras de rapadura e alfenim pra mim que duravam bem um ano!
Como eu era pequena, era ele quem "quebrava" o doce. Era um ritual danado.
Parece que lembro como se fosse hoje dele gritando, ainda com força: "Cabôcla, chega aqui!"
(Essa era a forma carinhosa que ele me chamava e me chamou até o leito de morte,segurando na minha mão)
Quando eu chegava junto, ele tava amolando o facão em uma pedra bem grande que tinha por ali...
Depois colocava o tablede doce em cima da mesa rude de madeira e danava a quebrar em vários pedacinhos, todos feitos para mim. Meu sorriso ficava largo e eu voltava pra brincar pinotando por entre as britas e gramas do quintal.
Essa é, sem dúvidas, a lembrança mais doce que tenho do meu avô!

sábado, setembro 06, 2008

Enquanto isso...


Eu tou perdendo o meu amor
Eu tou perdendo o meu amor
Eu tou perdendo o meu amor

Eu tou perdendo o amor

Repetiu a tristeza da menina
enquanto voltava pra casa

(Depois de alguns segundos silenciosos...)

Não, não!

Eu tou ganhando o meu amor próprio
e, quem sabe assim, o amor dele.




*Continuou pedalando enquanto o vento secava suas lágrimas cansadas.





Carla Alencar

terça-feira, julho 15, 2008

O que falta, não completa. O que sobra, apodrece.


A dor melada em amarelo
Do povo sem chinelo
Faz nas poucas batidas do peito semi-parado
Roupas para um verme:
O verme dos homens do mundo

Dos homens de relógio e caneta

É uma carniceira olhuda, gente-animal
Apanhando todos os dias
Gritando no próprio eco


É que os homens preferem ouvir rock
As moças, passear pelo shopping...


E os mundos seguem em uma eterna desordem forjadamente caduca.


sábado, julho 12, 2008

Gramática-dramática

Não sei o que me deixa mais doente: concerteza ou agente.

Com certeza: A gente.

quinta-feira, maio 22, 2008

(!)

Pintura e poesia são música em estado de raspa raspa
Cachaça,vinho ou whisky, filosofia em estado líquido
Ele é vicio e amor em estado gasoso

sólido em mim.

Carla Alencar

terça-feira, maio 13, 2008

... de noite



No cine-silêncio do meu quarto, ouvia canções que não eram minhas.
Pra fugir da saudade, pra fazer de conta, uma conta que não tinha fim.
Fim do dia, noite sempre trazia vontade de chão,
vontade de mão secando água dos olhos,
águas do corpo depois do banho.
Banho solitário, eu nunca me encontrava nele.
Tava sempre do outro lado, fazendo aqui pensando alí.
Pensando alí, penando aqui.

Cine-silêncio,
silêncio!

preciso me concentrar.

No mais, não mais.

Cine-barulho no peito eu quero é mais!

Carla Alencar




domingo, abril 20, 2008

Ausência


Ausência me devolve prisão em instante vazio
Vazio dentro dos braços, pernas e próprias mãos
Perdidas em quarto escuro


Se bole, se dorme, se para

Se

Partícula de condição
Partículas de pequenas angústias
e dúvidas


Parede branca de solidão
Telefone sem conexão
Travesseiro,

-Travessão


Graças

Dia de sol, Rio de Janeiro
Passo na favela e já sinto o cheiro
Do traficante esperando a playboyzada
Que vai buscar no morro de coca a raxa

O bagulho é do bom
O menino é do bem
Só não imagina o que pra ele vem

Chega em casa meio tenso
Com embrulho na mão
A mãe já fica perturbada
Cheia de aflição

Entra no quarto, porta fechada
Pode bater quem for
Não abro nem para o papa

Pesos e medidas
Balança e quilograma
Tudo escondido por baixo da sua cama

Chega nas festinhas
Cheio de moral
Bermuda da cyclone
Uísque Jonny pra geral

Faz logo a cabeça da rapaziada
É doce, maconha, raxixe e bala

Dinheiro no bolso
Cartela na carteira
E a PF já ligada na próxima rasteira

Mas o moleque é esperto
E não deixa vacilar
Comanda bem o game
Pra depois desopilar

É rodízio, grife, uísque do bom
E um carro zero tirando onda pelo Leblon


A vida até parece boa
Mas a paz vai acabando
Telefone na mão
Gurizada ligando

Zé Henrique, Giovana, Mateus, Juliano
-Tem uma cinquentinha meu parceiro?
-Espera que tô chegando

Ruim é na hora da cobrança
Fim do prazo, fim do mês
Do dinheiro, nem lembrança

Os malucos ficam logo envenenados
Ameaçam o garoto
O guri ta pirado

Ele já não sabe o que fazer
Tem que vender, tem que pagar
Tem que parar de dever

-Deitado na cama, com o filho na cabeça
Era o sonho da mulher, da sua princesa
Com o tempo, afastou tudo o que amava
Nem mulher, nem princesa, nem filho
Nem nada-

Sua mãe já não sabe como chorar

Já gritou, já pediu e só faz rezar

Telefone toca
-ô, desce ai que é importante
Nove fitas na mão, polícia no volante

-É crime federal
-É crime, marginal!

Entra no carro,
Não vale mais perdão
Pelo menos cinco anos
Trancafiado na prisão

É crime federal
É crime, marginal!
Cadeia animal

quarta-feira, abril 09, 2008

Filtro

Filtro do teu pensamento
E o que sai a tua água
Filtro do teu café
Teu cigarro,pigarro, amargo, amado
A mando, desmando
Teu filtro eu amo
Não filtro é nada
Teu filtro me rasga a carne podre, enfim, adentro
Infiltra o outro lado até causa ferimento
Mãos em carência
Peito libertino
Corpo árido

Amo no filtro
Do meu filtro baleado


*Poesia antiga, sem data, porém, antiga.

terça-feira, abril 01, 2008

No lençol

Uma cerveja por vez, uma dose ou três.

Ela precisava disso, precisava ficar mais amarga de bebida do que de amor,
da falta de amor, do pouco amor, do seu amor muito, do amor em falta, do amor outro.

Mas não tinha dose, cerveja... Nem nada.

O que restou da noite foram umas páginas de livro,
Coletânea de lágrimas,
O amor
e suas estórias mal contadas.

sábado, março 29, 2008

Agora não!

As vezes você quer por que quer que uma pessoa prove alguma coisa. Seja um doce, um chocolate novo, um folhado... Mas a outra pessoa responde que não quer:

-Agora não, depois eu provo, tô enjoado.
-Agora não, depois eu provo, tô cheio.
-Agora não.. bla bla , escovei os dentes.

bla bla bla

Mas você continua a insistir.

Não sei se é mais chato pra quem insiste ou pra quem persiste na negação.

Acho que é pra quem persiste em dizer não. Por que quem insiste tá disposto a isso... Mas quem não quer não tá com saco pra dizer que não mais de duas vezes,né?

Tá, era só isso.

É que comprei um folhado de doce de leite delicioso e pedi mais de três vezes pro meu irmão experimentar e ele respondeu que tava enjoado e comia depois. Tá! Agora também eu comi foi todo!

Carla Alencar

sexta-feira, março 07, 2008

Diamantina

Diamantina é uma cidadezinha cheia de vergonha
Ao cair da noite as Igrejas esticam o pescoço para ver o horizonte mais longe
Se namorico se assanha em plena praça, as gargantas de sino logo gritam ah!
Quando o coração bate pelo amor de longe, passarinho no céu, é tudo triste
Tudo quieto, uma preguiça vadia e mão sem pele para pousar palavra de pão
De repente a passarada voa azul assustada com o gritar do trem tão grande!
É que a cidade acontece nas entrelinhas. E o céu de estrelinhas dorme cedo
Repouso de canseiras, anda pensando na morte da bezerra!

domingo, fevereiro 24, 2008

O que é mais inteligente: O livro ou a sabedoria?

“Nós que passamos apressados pelas ruas da cidade
Merecemos ler as letras e as palavras de gentileza.
Por isso eu pergunto à você no mundo
Se é mais inteligente o livro ou a sabedoria?”

Hoje no Brasil, 9 milhões de jovens entre 18 e 29 anos não tem a escolaridade básica. Mais de 800 mil são “analfabetos” e mais de 8 milhões desistiram da escola antes de completar o primeiro ciclo. Pessoas, milhões dela, sem ter a educação que tanto se ouve falar.
Pessoas, milhões dela, sem ter a educação que tanto se ouve falar.
Pessoas, milhões dela, sem ter a educação que tanto se ouve falar.

Pausa de mil compassos: Essa frase certamente passou normal para quem leu. Engraçado e um tanto patético como passamos a pensar em educação como forma instrumental, um meio de chegar aos requisitos que o mercado de trabalho impõe para que se consiga um bom emprego (nesse conceito de educação está incluso, claro, saber falar as palavras direito.)

Ah, educação também é percebida no ato de dizer obrigado e com licença. Bacana mesmo é como se aprende a grafia certinha de cada palavra e nem sempre se usa dessa educação. E é ai, exatamente ai, que esse conceito cai.

Analfabeto é uma palavra forte e pejorativa demais para pessoas que apenas não passaram pela grafia. Essas pessoas são, então, ágrafas. E não analfabetas. Pessoas que não sabem por onde percorrem os rodeios complexos do mundo da grafia, mas sabem exatamente onde isso vai chegar. Elas vão direto ao ponto. Enquanto rebolamos de mil formas pra resolver um problema, as pessoas ágrafas já têm em mente a resolução simples e óbvia do que quer que seja.

Você, garotinho ou garotinha esperta que abre a boca com orgulho pra dizer que escreve que é uma beleza, que sabe-tudo e, meu Deus, se acha mais inteligente do que alguém que não sabe ler e escrever, duvido que tenha a memória tão boa quanto à dessas pessoas e também os mil ensinamentos que livro nenhum, jamais, vai conseguiria ensinar.

Partindo para um conceito mais perverso e singular: Linguagem, o que faz a linguagem funcionar? Linguagem precisa compartilhar, tornar comum pra funcionar. Existe a linguagem verbal que ainda se subdivide em outras duas: Oral (baseada principalmente na memória) e escrita. E a linguagem não verbal, que funciona através de imagens, gestos, símbolos, índices, texturas, sons, expressões corporais, emoções.

Essa é a parte perversa do texto. Dentro da linguagem e seus conceitos, a escrita ficou singular, ficou como fonte apenas pra compreender o que alguém que não escreve e ler, compreende como ninguém. A sensibilidade de um bom escritor, em colocar no papel sinestesias e sentimentos que um ágrafo, por exemplo, entende como ninguém.

Que comum, um escritor escrevendo pra pessoas que lêem sobre coisas de sentir, refleir.

Que óbvio, um ágrafo ensinando sem escrever absolutamente nada, dia a dia, o valor dessas pequenas coisas.

Que ironia: Qual deles é o percebido da história e como é percebido?